Proteja Talks traz relatos de resistência e importância do monitoramento

Para contar dez histórias de povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia e de seus esforços para monitoramento territorial, social e econômico, foi realizado em Manaus o 2ª PROTEJA Talks.

POR SARA LEAL*

Para contar dez histórias de povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia e de seus esforços para monitoramento territorial, social e econômico, foi realizado em Manaus nesta terça-feira, 29 de novembro, a 4ª edição do Proteja Talks.

O encontro busca ampliar o alcance das vozes indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais e ativistas que atuam no combate à crise climática, diretamente do chão da maior floresta tropical do mundo.

“Reunimos um grupo de pessoas para compartilhar com a sociedade experiências diversas e notáveis que entrelaçam suas vidas às áreas protegidas do Brasil”, afirmou a coordenadora do evento e pesquisadora do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) Sylvia Mitraud.

O evento foi apresentado pelos influenciadores digitais e ativistas indígenas Samela Sateré-Mawé, do Amazonas, e Kauri Waiãpi, do Amapá.

Produção e conservação

A história de luta de Odila Godinho, presidente fundadora da Turiarte Amazônia (PA), cooperativa de turismo e artesanato da floresta, passa pelo empoderamento de mulheres por meio do artesanato. A organização possui 162 membros, 131 mulheres e 31 homens.

As artesãs dependem das palhas das árvores chamadas tucumans para fazer produtos como cestos e ornamentos. “Portanto, precisamos da floresta em pé. O trabalho da cooperativa é de muito amor e dedicação para cuidar do tucumanzeiro e outras plantas, como jenipapo e cúrcuma, para conseguir os pigmentos naturais”, explicou.

Godinho também falou sobre a sua relação com a natureza. “Eu ando na mata conversando com as arvores, os animais, as folhas… precisamos da floresta para viver, por isso é necessário cuidar dela por meio de pesquisas e que a juventude também faça o melhor em prol do Brasil e da Amazônia”, concluiu.

Presidente da Coopaflora (Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte), a quilombola Daiana Figueiredo contou sobre a experiência da organização, que possui 46 cooperados. Entre os produtos comercializados estão o cumaru, a copaíba, a andiroba e a pimenta em pó.

Segundo ela, todos são produzidos a partir da conservação da floresta e das boas práticas produtivas. “Por isso, contar a história deles e de onde vêm é fundamental para nós que moramos na floresta. Aprendemos com nossos ancestrais a necessidade de se preservar a mata e conservarmos ela, um ensinamento que repassamos para as novas gerações”, complementou.

Presidente da Associação Clube de Mães Trabalhadoras Rurais Quilombolas Lar de Maria, Roselma Corrêa, da Comunidade de Pedrinhas, no Maranhão, falou sobre sua experiência como quebradeira de côco. “Antes, sobrevivia-se da troca do babaçu por alimentos. Agora, temos subprodutos derivados para venda, como azeite, bolos, e até sorvete do leite extraído da amêndoa. Esse conhecimento nós passamos para quebradeiras de outros municípios que ainda não sabem dos inúmeros usos possíveis”.

Corrêa contou sobre a importância do monitoramento e a inserção da comunidade com a ajuda do aplicativo Tô no Mapa, um aplicativo de celular desenvolvido para que povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares brasileiros realizem o automapeamento de seus territórios.

“A agricultura familiar é o que sustenta os mercados das grandes cidades, por isso a necessidade de se valorizar o trabalho que passou pelas mãos de muitos produtores que resistem a diversos desafios”, ressaltou.

Membro da Cooperativa de Produção e Extrativismo Sustentável Garah-Itxa, Luan Suruí, da aldeia Lapetanha, contou que a preocupação com as futuras gerações foi um grande impulsionador de ações voltadas para a conservação. “Desde 2015 nós monitoramos a produção da castanha, o desmatamento ilegal e a caça de animais silvestres de modo a proteger nossos territórios e incentivar o desenvolvimento sustentável”. Atualmente, segundo ele, a aldeia possui projetos de reflorestamento com o intuito de restaurar a vegetação com a participação de jovens indígenas da comunidade.

Informação é poder

Jackiel Cássio, da Comunidade Serra do Navio, no Amapá, é guarda florestal do Bio Parque da Amazônia e falou sobre a importância do monitoramento de Unidades de Conservação para envolver não só a comunidade localizada no entorno, mas visitantes. “As informações coletadas servem como educação ambiental para turistas e faz com que os moradores da região se aproximem da gestão, além de gerar oportunidade de emprego para essas pessoas”, explicou.

Com a ajuda de novas tecnologias e câmeras, a equipe conseguiu aumentar o número de espécies de mamíferos e aves registrados em seu habitat natural de 26 para 74, além de descobrir árvores que chegaram a 84 metros, como uma angelim gigante encontrada na região.

Água e saúde, direitos fundamentais

Preocupação com recursos naturais também foi levantada pelos panelistas no evento. Nirda Oliveira trouxe a realidade da comunidade quilombola do Chumbo, da qual faz parte, na Amazônia mato-grossense. “Estamos enfrentando um problema de escassez de água por conta da agropecuária, que interferiu no solo e lençol freático, contaminando o rio e transformando a água, que antes era saborosa. Agora, ela não tem mais o mesmo gosto e cor”, lamentou.

Segundo a quilombola, além de a questão causar problemas de saúde para as pessoas da região, as plantas medicinais, árvores frutíferas e demais cultivos da agricultura familiar também foram afetados. “O rio faz parte da nossa história e agora está seco, sem água nem vida. Por isso, a comunidade corre o risco de desaparecer. Queremos permanecer nos nossos territórios e estamos resistindo, mas, para isso, precisamos de ajuda como estudos sobre o que está acontecendo por lá”, ressaltou.

Coordenador do Projeto Saúde na escola Pública de Saúde em Manaus, Sediel Ambrósio, do povo Baré, é enfermeiro há sete anos e, desde que se formou, atua com povos indígenas. “Escolhi dedicar minha vida para isso por conta de vários casos negligenciados. Após minha graduação, entrei na área técnica para ajudar a monitorar e planejar a saúde no entorno do Rio Negro, onde pude acompanhar vários casos graves que poderiam ter sido evitados”. Para ele, é preciso que o governo volte o seu olhar às comunidades e que pessoas capacitadas queiram cada vez mais trabalhar pela causa.

Aos 12 anos de idade, Beka Munduruku, jovem do povo Munduruku, do Pará, fundou um coletivo de audiovisual para disseminar a resistência do seu povo. “Nossos territórios são constantemente ameaçados pelo roubo de madeira e garimpo ilegal. Em consequência disso, 99% do meu povo hoje em dia está contaminado por mercúrio. Decidimos montar o coletivo para continuar a luta dos nossos ancestrais e levar essa que não é só uma história, mas uma realidade que nós indígenas vivemos”.

Demarcação já!

A urgência e necessidade da demarcação de terras foi ressaltada pelo coordenador geral da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), Toya Manchineri. “Diversos são os estudos que já demonstraram que essas áreas são as que menos desmatam, contribuindo com a redução da emissão de gases do efeito estufa e, consequentemente, com acordos internacionais e a própria vida da população global. Mas apesar de sermos os que mais protegem a floresta, temos recebido pouco auxílio do Estado”, salientou.

Para Manchineri, também é preciso incorporar as novas tecnologias com a sabedoria ancestral dos povos originários para o avanço do monitoramento. “Esse conhecimento sobre o território demonstra, além de tudo, as potencialidades econômicas que existem na floresta”.

Presidente da Associação de Comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, Viceli Costa afirmou durante o evento que, sem terra, não há como manter recursos e tradições das comunidades. “Estamos cercados por cidades e a pressão no meu território é grande. Não queremos sair de lá e quero que meu filho cresça onde vivi, mas precisamos de apoio para fortalecer o nosso monitoramento de vigilância e manter nossas tradições”.

Sobre o Proteja Talks

O Proteja Talks é um dos produtos do Portal Proteja, que é, além de uma biblioteca digital sobre áreas protegidas do Brasil, uma iniciativa que conta com 16 instituições parceiras. O Proteja Talks é um evento inspirado no modelo TED Talks, que contempla conteúdo sobre áreas protegidas no Brasil e que acontece todo ano desde 2019.

A iniciativa é financiada pelo Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte (Norad) e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Participam da organização a COIAB, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Imazon, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), Associação Kanindé, The Nature Conservation (TNC Brasil), Wildlife Conservation Society (WCS Brasil) e WWF Brasil.

Assista à 4ª edição completa aqui, sara.pereira@ipam.org.brç*